17/10/24 em Artigos

História da Gestão da Qualidade – Evoluções e Involuções

Essa história posso contar de cadeira, pois presenciei boa parte dela atuando profissionalmente na área da qualidade há mais de 45 anos, sendo mais de 25 anos como Consultor, com a experiência de mais de 300 organizações certificadas na ISO 9001 e mais de 50 em sistemas automotivos (QS 9000, ISO TS, IATF 16949 e outras). Além da experiência de implantação de sistemas de gestão da qualidade, tive a oportunidade de conhecer, estudar profundamente, desenvolver e colocar em prática métodos e ferramentas utilizados para aplicação dos conceitos da qualidade e requisitos da norma.

Total Quality Control – TQC

Podemos iniciar essa história, lembrando do termo “Controle da Qualidade Total” usado pela primeira vez por Armand Feigenbaum em 1956. Ele propôs a ideia de que a qualidade só pode resultar de um trabalho conjunto de todos os envolvidos na organização, não apenas de um grupo de pessoas. Essa abordagem visa melhorar a eficiência e a eficácia das organizações por meio da gestão da qualidade em todos os processos e níveis da empresa. Com o passar dos anos, a Qualidade Total se tornou uma filosofia de gestão amplamente adotada em empresas ao redor do mundo, com o objetivo de garantir a satisfação dos clientes, reduzir custos e aumentar a produtividade.

O TQC – Total Quality Control (Controle da Qualidade Total), é um sistema da qualidade que busca transcender o conceito de qualidade aplicado ao produto. No TQC a qualidade é entendida como a superação das expectativas não apenas do cliente, mas de todas as partes interessadas (“stakeholders”). Para compreender melhor vejamos um pouco da evolução do conceito de qualidade.

O primeiro conceito relacionado à qualidade referia-se ao enquadramento dos produtos/serviços dentro de suas especificações técnicas, ou seja, qualidade era igual à ausência de defeitos no produto, o que, por sua vez, era verificado na medida exata da intensidade de inspeções realizadas. Mais tarde, o “Controle Estatístico do Processo – CEP”, especialmente com Deming e Juran, permitiu a extensão do conceito de qualidade ao processo, passando o controle da qualidade, a englobar também as condições em que o produto é produzido. Entretanto, o conceito de qualidade ainda passaria por mais algumas mudanças incorporando o conceito de “custo da qualidade”, e depois de “zero defeitos”, chegando enfim, a englobar a satisfação ou superação das expectativas de todas as partes interessadas, inclusive dos clientes (internos e externos).

Auditorias de Clientes em Fornecedores e as Normas ISO 9000

Especialmente no mercado automotivo, mas não restrito a esse mercado, nos anos 80 e 90, muitas organizações por terem problemas com seus fornecedores, desenvolveram estruturas com profissionais experientes e qualificados para auditar esses fornecedores criando cada uma seus próprios requisitos, embora mais de 80% eram os mesmos, independentemente da organização.

Com o surgimento das normas ISO 9000, primeiro na versão 1987 e principalmente depois na versão 1994, qual seria a lógica em relação ao processo de auditorias em fornecedores, mas que não se concretizaram de forma sistêmica:

• As organizações que possuíam uma estrutura para auditar fornecedores, passariam a exigir a certificação, que seria auditada por um terceiro, ou seja, redução de custos. Vale lembrar que nesta época muitos auditores que auditavam por clientes foram trabalhar para as empresas de certificação.

• Para os fornecedores, com a certificação não precisariam mais ser auditados por vários clientes, já que teriam as auditorias de certificação, manutenção ou recertificação em geral uma vez por ano, ou seja, também redução de custos

Por que essas mudanças não aconteceram em muitas organizações?

Algumas porque acharam que a certificação seria uma garantia da qualidade dos produtos, e não é, mas sim um sistema de gestão da qualidade. Outras incluíram requisitos adicionais, como auditorias de processos e mais abrangente ainda como a IATF 16949. É importante as organizações entenderem que auditorias em fornecedores, é uma atividade de detecção de não conformidades que em geral agrega custos, para o cliente e para o fornecedor.

Se um fornecedor é certificado e não responde ou resolve as reclamações do cliente, o cliente pode formalizar uma reclamação para o Organismo Certificador pelo qual o fornecedor é certificado. Desta forma, a Certificadora abrirá uma Não Conformidade Maior e na 1ª auditoria programada irá auditar esta reclamação.

Se um fornecedor tem problemas de qualidade de algum produto, o cliente pode até realizar uma auditoria, mas para avaliar aquele problema específico; se o problema for descumprimento de prazos, idem. Portanto, nessas situações é improdutivo marcar uma auditoria de sistema ou de processos, pois provavelmente não resolverá o problema ficar verificando se o fornecedor tem procedimentos, política da qualidade, análises críticas da direção etc. O fornecedor, melhor que o cliente pode buscar as soluções para seus problemas e terá interesse.

Norma ISO 9001 Versões 2000 e 2008

Primeiramente cabe destacar que da versão 2000 para a 2008 praticamente não houve alterações, mas apenas na versão 2008 foram mais bem esclarecidos alguns requisitos da versão 2000.

O primeiro impacto de mudanças da ISO 9001, foi na transição da versão 1994, para a versão 2000, quando a descrição da norma passou de “Sistema da Qualidade” para “Sistema de Gestão da Qualidade”, bem como foram incorporados novos conceitos e abordagens da norma, sendo as principais:

• Na Versão 1994 a abordagem geral era de um sistema de documentos piramidal desdobrado em manual da qualidade, procedimentos, instruções e registros, no qual um dos objetivos era padronizar as atividades relacionadas com o atendimento ao cliente. A ideia era “manter a qualidade”.

• Na versão 2000 foi introduzido os conceitos de melhoria contínua; abordagem de processo; eliminação da exigência da maioria dos procedimentos; e introdução de indicadores de desempenho dos processos.

A maioria das organizações não assimilou: 

a) como implementar o SGQ – Sistema de Gestão da Qualidade sem os procedimentos que não eram mais exigidos; 

b) a abordagem de processos, pois mantiveram a documentação dentro de uma estrutura departamental, sem integrar as atividades relacionadas por processo; 

c) a melhoria contínua foi inibida, uma vez que os indicadores de desempenho dos processos para serem melhorados de forma efetiva, requerem um plano de trabalho integrado com todas as áreas envolvidas com o processo. 

Por esses e por outros motivos, que não houve mudanças na norma na versão 2008.

Norma ISO 9001:2015

Principais mudanças em relação às versões 2000 e 2008: contexto da organização; não requerer mais manual da qualidade nem procedimentos; inserido o conceito de gestão por processo de negócio; abordagem de riscos e oportunidades; gestão de mudanças; planejamento para alcançar os objetivos da qualidade; não requerer mais o Representante da Direção, distribuindo suas responsabilidades pela Liderança da organização.

Essa versão foi desenvolvida para ser de fato implementado um sistema de gestão, ao invés de um sistema de documentos, começando pela análise do contexto a qual realizada de forma consistente, com participação da Alta Direção, Gestores e Pessoal Chave, dá o direcionamento para a organização definir, entre outros: os processos de negócio, melhor adequação da estrutura organizacional, objetivos da qualidade, indicadores e metas.

A exclusão dos requisitos manual da qualidade e procedimentos elimina com a burocracia e torna os processos menos engessados. Infelizmente a maioria das organizações ainda adotam procedimentos e manual da qualidade, pois não acompanharam a evolução da norma.

Por que a norma não requer mais manual da qualidade nem procedimentos?

• Ninguém fica lendo procedimento a cada vez que um processo é executado;

• Diferentemente da época da versão 94, hoje existem softwares, aplicativos, sistemas informatizados e integrados e outras formas mais modernas que prescindem o uso de procedimentos para execução dos processos;

• Os procedimentos engessam os processos, pois quando se quer fazer uma mudança/ melhoria, é preciso mudar o procedimento antes de implementá-la;

• Os mapeamentos/ fluxos dos processos definem as etapas especificando o que fazer, quem faz e quando faz; já o como fazer, não requer estar descrito, pois o profissional, com as competências necessárias que executa, pode explicar de acordo com a metodologia ou ferramenta específica adotada, que pode ser um software, aplicativo, documento físico, sistema etc.

 

Evoluções da Gestão da Qualidade

O TQC foi um modelo de gestão, que pôde servir como base para a criação da norma ISO 9001, versões 1987 e 1994, numa época que não se tratava da gestão por processos, pois as organizações tinham e muitas ainda tem, uma estrutura verticalizada, ou seja, “por departamentos/ setores”, na qual as pessoas trabalham em tarefas específicas e limitadas. Nesta época a abordagem era voltada para o controle da qualidade de produtos, nas várias fases do processo de fabricação. A linguagem da norma estava muito mais alinhada com a indústria e muito pouco com serviços.

O objetivo da qualidade na época com procedimentos, era manter a qualidade, padronizando as atividades/ processos.

Para uma empresa se certificar, em síntese era seguir o que estava escrito nos procedimentos, que continham os requisitos da norma.

Com a ISO 9001:2000 e 2008 iniciou-se o conceito de melhoria contínua.

Para melhorar qualquer processo, pode-se especular sobre vários fatores, mas o que de fato precisa acontecer é a “mudança(s)” do processo. Se a organização está “presa” a procedimentos, será difícil implementar a melhoria contínua.

Se não está descrito como fazer, os profissionais envolvidos têm a liberdade de mudar o processo e buscar melhorias, desde que numa avaliação do gestor, continue atendendo aos requisitos da norma.

A necessidade de indicadores para os processos, também tornou a análise da melhoria mais efetiva, pois se consegue avaliar os resultados das ações.

Na ISO 9001:2015 foi consolidada as desnecessidades do Manual da Qualidade e dos procedimentos, afinal quem está se modernizando busca aplicar para os processos da organização: inteligência artificial, automação de processos, utilização de aplicativos, softwares etc.

A partir desta versão, a norma também incorporou requisitos que devem levar a empresa a focar em:

  • Gestão do Negócio: Análise do Contexto; Planejamento para Alcançar os Objetivos da Qualidade/ Metas e Gestão por Processos de Negócio
  • Prevenção de Problemas e Melhorias: Abordagem de Riscos e Oportunidades e Planejamento/ Gestão de Mudanças

A próxima versão da norma, na minha visão, deveria evoluir para buscar maior alinhamento com a gestão por processos, que tem como tripé não só melhorar a qualidade dos processos, mas também, torná-los mais rápidos e mais baratos. Uma norma abranger apenas a qualidade não é suficiente para tornar uma empresa competitiva, é preciso saber a que custo se alcança a qualidade e em quanto tempo.

Involuções da Gestão da Qualidade

A ISO 9001 evoluiu ao longo dos anos, porém a maioria das organizações não acompanhou esta evolução para aumentar seu grau de competitividade, ficando presas a sistemas que apenas documentam como as atividades são executadas, abordagem da ISO 9001:94, e “passar” nas auditorias, sem que o sistema de gestão seja um instrumento diferencial em relação aos seus concorrentes, com engajamento em todos os níveis na busca contínua por objetivos, metas, melhorias e mudanças. Já se passaram 30 anos da ISO 9001:94 e muitos sistemas são implantados ainda com esta abordagem, burocratizando a empresa.

Parte da responsabilidade por esta abordagem de procedimentos que as organizações ainda adotam são dos profissionais da qualidade, internos e externos (Consultores e Auditores), que não estudaram com profundidade os conceitos e métodos que a norma requer e acabam implantando sistemas de gestão que não trazem resultados para o negócio.

Os Organismos Certificadores, também não acompanharam a evolução da norma. Boa parte de seus auditores tem dificuldades em auditar por processo de negócio e sem procedimentos; e acabam auditando por requisito. Auditar um sistema sem procedimentos, requer maior conhecimento de gestão e da aplicação dos requisitos da norma e seus conceitos. Em geral a preocupação nas auditorias das certificadoras ainda é se os documentos são controlados e são preenchidos corretamente. Pouca atenção na análise do contexto e seus desdobramentos em processos de negócio, planejamento para alcançar objetivos da qualidade e suas metas, consistência e evolução dos indicadores, análise e gestão de riscos e oportunidades nos processos de negócio, gestão de mudanças e outros.

Concluindo

Um Sistema de Gestão da Qualidade – SGQ ISO 9001, para agregar valor ao negócio, requer muito mais do que procedimentos sendo cumpridos, mas sim, ações práticas que tornem os processos robustos (qualidade, ágeis e custo otimizado) com mudanças constantes para que a melhoria contínua seja uma rotina.

A norma não explica “como” estruturar os processos do SGQ, mas sim “o que” pode ser feito se a organização quiser adotar boas práticas de gestão, mas para isso é necessário conhecimento profundo dos conceitos, métodos e ferramentas para implantação.

Uma organização não vai se tornar mais competitiva, tendo preocupações, como: se um documento está na revisão 6 ou 7; quanto tempo vai guardar um documento eletrônico; lista mestra de documentos; reuniões de análises críticas da direção uma vez ao ano (próximo da auditoria); Índice de Qualidade para cada Fornecedor – IQF; carimbos de cópias controladas em documentos e protocolos de distribuição; realizando auditorias de sistemas em fornecedores; listas de presenças de treinamentos em procedimentos e na política da qualidade; etc.

Todas estas práticas não são requeridas pela norma, mas adotadas por várias organizações, desde que a norma era na versão 94. Como eu disse, já se passaram 30 anos e embora essas práticas possam atender requisitos da norma, não agregam valor aos processos. É preciso criar um ambiente motivacional e dinâmico para fazer os processos cada vez melhores, com engajamento em todos os níveis, desenvolvimentos das pessoas e ferramentas que ajudem a promover as mudanças e medir seus resultados.

A norma também precisa evoluir mais, para não ficar com a pecha de que é um pacote de documentos para serem elaborados e seguidos, ao invés de um sistema de gestão, devendo além de abordar a qualidade, também incluir agilidade e redução de custos dos processos.


Elaborado por: Araújo, Manoel M.


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